Disney+ e a Disneylândia da Propriedade Intelectual
por Bruno de Lima Acioli
Ao final do ano de 2020, estreou no Brasil o serviço de streaming da Disney, o Disney+ (Disney Plus), trazendo conteúdo exclusivo para seus assinantes, tais como a série Mandalorian (um derivado de Star Wars) e seriados com personagens da Marvel, tais como WandaVision e Falcão e o Soldado Invernal.
Em um pouco mais de um ano de existência (o Disney+ foi lançado no exterior primeiro, antes de chegar no Brasil), o serviço de streaming já conta com um número de assinantes globais que correspondem à metade do número de assinantes da Netflix, a maior companhia de streaming do mundo.
O gigantesco sucesso do Disney+ nos leva a pensar nas origens da companhia Disney, e trazer alguns comentários sobre o seu desenvolvimento.
A Disney é melhor conhecida pelo público em geral por seus grandes parques temáticos, ainda responsáveis pela maior parte do faturamento da companhia e, é claro, pelo seu icônico personagem Mickey Mouse.
Decerto, quando se fala em Mickey e propriedade intelectual, alguém deve logo se recordar do infame “Mickey Mouse Protection Act”, que estendeu o tempo de uso exclusivo do personagem Mickey pela Disney para até o ano de 2024. Mas este não é o tema deste artigo; não é o lobby da Disney no Congresso americano que trazemos como ponto de estudo, mas a sua capacidade de enxergar grandes oportunidades de negócio.
Falando um pouco de história, a Disney Company começou nos anos 1920 como um estúdio de animação, tendo como primeiro grande marco histórico a criação do Mickey Mouse por Walt Disney em 1928, na animação em curta-metragem “Steamboat Willie” dirigida pelo próprio Walt Disney.
Desde então, o Mickey se tornou personagem recorrente nas animações da Disney, destacando-se aqui a animação em longa-metragem Fantasia (1940), entre outras.
Todavia, sabe-se que não só de Mickey Mouse viveu a Disney em suas primeiras décadas: a companhia também trabalhou na adaptação em animação de histórias infantis de personagens de tradicionais contos de fadas, como Branca de Neve e Cinderela, e personagens de livros e peças infantis como Peter Pan e Bambi.
Walt Disney, porém, passou a nutrir um novo e ambicioso sonho: a criação de um gigantesco parque temático com atrações baseadas em personagens de sua companhia, a Disneylândia, que foi inaugurada em 1955, depois se expandindo para novos empreendimentos maiores, como o Walt Disney World Resort, na Flórida, nos anos 1970.
Apesar do título, este texto também não é exatamente sobre a Disneylândia, mas como a Disney Company pode nos ensinar a importância da propriedade intelectual para o desenvolvimento da indústria do entretenimento: a exclusividade no uso de personagens, de obras literárias, cinematográficas e musicais e de marcas atreladas a eles(as) é a mola-mestra dessa indústria.
Por óbvio, a construção da Disneylândia não fez com que a Disney abandonasse as produções de longa-metragens de animação, conquistando sucesso de público e de crítica com filmes como A Bela e a Fera (1991) e o Rei Leão (1994), após uma década de 1980 em que a Disney não foi muito inspirada no campo do cinema de animação.
Em 1995, no entanto, a Disney lançou o revolucionário filme em computação gráfica Toy Story, cuja animação ficou a cargo do estúdio Pixar, com o qual a Disney formaria uma parceria em outras animações subsequentes, até adquirir o estúdio Pixar e incorporar em seus domínios em 2006. Um movimento esperado e necessário, já que a Pixar passou a dominar o mercado de animação no Ocidente, e a Disney precisava assegurar que os produtores destas produções fizessem parte de sua casa.
Bem menos esperados e muito mais ousados foram os dois próximos movimentos de aquisição da Disney Company: a Marvel Entertainment em 2009, e a Lucasfilm em 2012.
Na primeira ousada e bilionária aquisição, a Disney incorporou em seu patrimônio a propriedade intelectual sobre notáveis super-heróis da Marvel, como Capitão América, Hulk e Homem-de-Ferro, já claramente atenta para o sucesso estrondoso e continuado de bilheteria dos filmes em live-action destes personagens, dentro do chamado Marvel Cinematic Universe (universo cinematográfico da Marvel).
Além do gigantesco acervo de heróis e vilões dos quadrinhos da Marvel, que agora arrecadam fortunas para a Disney nas telas do cinema, a aquisição da Lucasfilm fez a companhia do Mickey ter acesso a uma outra gigantesca propriedade intelectual do cinema, com uma base de fãs leais instalada desde os anos 1970: Star Wars.
Aqui, ficou claro o desenho do plano de expansão da Disney: adquirir para si a propriedade intelectual sobre personagens e franquias de grande sucesso, adaptá-los para o cinema, lucrar bilhões em bilheteria e produtos licenciados e, de quebra, adicionar novas atrações em seus parques temáticos, além de, é claro, alcançar novos e diferentes públicos.
A “fome” da Disney não parou por aí, e sua mais recentemente aquisição incorporou ao seu patrimônio de propriedade intelectual um dos maiores estúdios do cinema de todos os tempos, com todo seu gigantesco acervo de filmes e de séries, trazendo infinitas possibilidades de explorá-las nas mais diversas mídias: a 20th Century Fox.
Para os fãs dos filmes da Marvel, a “compra” da Fox pela Disney representou a possibilidade de explorar no cinema o universo Marvel com personagens dos X-Men e do Quarteto Fantástico, cujos direitos autorais para filmes pertenciam à antiga Fox.
Para a Disney, a aquisição da Fox, hoje apenas 20th Century Studios, representa um domínio de uma parcela muito significativa da indústria cinematográfica e do entretenimento em geral, fazendo da Disney Company hoje indubitavelmente a maior força nessa indústria.
Em breve deve estrear no Brasil outro serviço de streaming da Disney, o Star+, que contará em seu catálogo com séries e filmes voltados para um público mais adulto, incluindo no acervo a multipremiada e “eterna” série de animação Os Simpsons, e mais outras franquias de filmes da 20th Century Studios como, por exemplo, Alien. A empresa que nasceu para fazer entretenimento para crianças e para os pais que acompanham as crianças ao cinema, agora também faz entretenimento voltado para os adultos.
A caminhada da Disney em expandir seu acervo de personagens e franquias demonstra a importância da propriedade intelectual, sobretudo os direitos autorais (copyright), para o sucesso de uma empresa do ramo do entretenimento.
E não duvidemos que, com a Disney+ e a Star+, não vá demorar muito tempo para que a Disney iguale ou supere o número de assinantes da gigante Netflix, passando assim também a dominar o mercado de streaming.
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