O Marco Legal das Startups
Por Pedro Paes
A Câmara dos Deputados, no dia 11 de maio, finalizou a votação do Projeto de Lei Complementar 146/19, conhecido como Marco Legal das Startups. O texto, que sofreu emendas após retornar à casa parlamentar, foi sancionado pelo Presidente da República nesta última terça-feira (01/06).
A nova regulação foi muito bem vista pelos congressistas, mas não ficou isolada de críticas, sobretudo pelo caráter tímido das mudanças trazidas pela lei. Vejamos o que realmente mudou e qual o impacto que poderá ser gerado no ecossistema de startups brasileiras.
A DEFINIÇÃO LEGAL DE STARTUPS
O termo Startup não possui um conceito fechado. Eric Ries, autor do livro Leaning Startup (traduzido no Brasil com o título “A Startup Enxuta”), busca definir a startup como uma instituição, geralmente em fase inicial, que se utiliza da inovação para a criação de novos produtos ou serviços, lançados como soluções ao mercado em condições de elevada incerteza. Ainda é possível dividi-las em uma série de classificações de acordo com o modelo de negócio, como as buyable startups, social startup, scalable startups, etc.
Percebe-se, assim, que, para fins especialmente legais, as startups careciam de uma definição mais precisa, um das primeiras lacunas supridas pelo PLP 146/19, o qual elenca os seguintes critérios para considerar uma empresa ou sociedade cooperativa como startup:
– Ter receita bruta de até R$ 16 milhões de reais ou R$ 1.333.334,00 mensais para aquelas que exerçam atividade em um número menor do que 12 meses;
– Possuírem até 10 anos de inscrição no CNPJ;
– Declararem, em seus respectivos atos constitutivos, o uso de modelos inovadores (Lei 10.973/04 – Lei de Inovação Tecnológica) ou que se enquadrem no regime especial Inova Simples (Lei Complementar 123/06).
O QUE MUDA COM O MARCO LEGAL DAS STARTUPS?
1) LICITAÇÕES
Entrando em vigor, o texto garante às startups um regime preferencial na concorrência por programas e editais disponibilizados pela Administração Pública, sobretudo para a contratação de determinados serviços, desde que voltados para a inovação. A lei ainda permite que esteja previsto no edital a exclusividade para as empresas que se enquadrem como startups.
São observadas, no entanto, algumas regras específicas para que a aprovação da licitação seja concedida, além do próprio tempo, que não pode ultrapassar dois anos consecutivos (1 ano obrigatório + 1 ano de renovação), e do teto máximo para tais gastos, de R$1,6 milhão por ano, valor ainda modesto.
2) INVESTIMENTOS
Um dos grandes objetivos do PLP 146/19 é atrair investimentos para as startups, de tal modo que seja facilitada a entrada de capital por pessoa física ou jurídica, que pode optar por participar do capital social da empresa, desde que não possuam poder nas decisões dela. Assim, permite-se que o investidor não responda com o próprio capital em caso de dívidas, salvo nas exceções previstas em lei.
Com isso, dá-se relevo à figura do investidor-anjo, profissionais que visam comprar parcelas de empresas em estado inicial, normalmente sem posição executiva, mas sim em um posição societária minoritária no negócio.
3) SANDBOX REGULATÓRIO
A partir do novo texto legal, foi também concedido para as startups a permissão de testarem o desenvolvimento de novos produtos e serviços em um ambiente com menos restrições normativas. É o que se chama de sandbox regulatório, que tem como intenção trazer mais flexibilização perante às agências reguladoras, como a Anvisa ou a Anatel.
4) RECURSOS DE FUNDO
Além do aporte direto dos investidores, é possível também que as startups recebam investimentos de fundos, sejam eles fundos patrimoniais destinados à inovação ou Fundos de Investimento em Participação (FIP). É importante ressaltar que a aplicação desses fundos é limitada para as startups voltadas a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação vinculadas à outorga de concessões.
O QUE FALTOU?
Apesar de consistir em um avanço considerável para a formação de um ecossistema inovativo, o marco ficou aquém do esperado, sobretudo pelos avanços que poderiam ter sido implementados ou mesmo melhor desenvolvidos nos dispositivos legais.
Entre as maiores insatisfações está a exclusão do uso das opções de ação, conhecidas como stock options. Comum no modelo norte-americano, estas servem para atrair funcionários para as startups, geralmente empresas ainda em fase inicial e que não têm o mesmo poder competitivo das demais já consolidadas no mercado.
Assim, para suprir o salário relativamente menor, as startups poderiam oferecer ações da empresa, compradas em momento posterior, no modelo denominado call option, ou apenas opção de compra, cujo diferencial consiste em que o titular da operação possui apenas a faculdade e não o dever de exercer a aquisição do ativo, enquanto o vendedor detém obrigação de vendê-lo.
Uma das emendas aprovadas no Congresso excluiu do projeto as stock options, permanecendo o impasse doutrinário entre o entendimento que elas consistem em uma forma de salário, portanto, válidas para o ordenamento jurídico brasileiro, desde que inclusos os encargos trabalhistas e previdenciários, e a visão prevalecente nos tribunais pátrios de considerar as opções de ação apenas como uma transação financeira.
Outro ponto de destaque é que foi retirada a possibilidade das startups escolherem regime de Simples Nacional sem estarem passíveis às mesmas vedações das demais empresas. Ocorre que, com isso, a startup pode aderir ao regime tributário, mas excluindo outros que poderiam se encaixar melhor com o recrutamento de investidores, os quais, por sua vez, não teriam os mesmos benefícios fiscais.
Apesar destas omissões mencionadas, o Marco Legal das Startups não deixa de ser uma legislação de iniciativa exitosa e de caráter necessário para facilitar a atuação e o financiamento destas empresas de base inovativa e tecnológica em um mercado bastante regulado e consideravelmente hostil à inovação, tal como é o mercado brasileiro.
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