8 de dezembro de 2022

Afinal, jogador de futebol possui direitos trabalhistas no Brasil?

Nicolly Gomes Herculano e Natália Tenório Fireman

Expectativas quanto aos jogos da Copa do Mundo FIFA 2022 têm estimulado os portais de notícias e mídias a alimentar seus veículos de informação diariamente com temas relacionados aos jogadores e assuntos correlatos, abordando inclusive supostos detalhes quanto aos contratos de trabalho dos profissionais. Um dos atletas que mais recebe menções é o craque português Cristiano Ronaldo, notadamente após recentes rumores de uma proposta de contratação formulada pelo time Al Nassr da Arábia Saudita com salário aproximado de R$ 1,1 bilhão por ano.

Com o sonho de se tornar jogador de futebol, muitos jovens se dedicam ao esporte na expectativa de alcançar tamanho êxito na carreira. No Brasil, tal não é diferente, considerando a quantidade de craques exportados todos os anos. Sobre o tema, convém destacar que as relações trabalhistas dos atletas profissionais de futebol recebem tratamento diferenciado em nossa legislação, sendo regidas por condições especiais previstas em lei própria, também conhecida como Lei Pelé (Lei nº 9.615/98). 

futebol

Como funciona a contratação de jogadores de futebol? 

A atividade do atleta profissional é condicionada a uma remuneração que deverá ser pactuada em um contrato formal de trabalho, a ser firmado com entidade de prática desportiva, e que deverá conter cláusulas expressas que abordem as consequências de descumprimento, rompimento ou, ainda, de rescisão unilateral, prevendo multa convencional ou sanção civil, comumente chamada no mundo jurídico de cláusula penal. 

Bem assim, deverá conter cláusula expressa reguladora de sua prorrogação automática.  O instrumento contratual deverá, ainda, ser realizado em conformidade com a Lei Pelé e com as regulamentações da FIFA e da Confederação Brasileira de Futebol – CBF. Na lei são estipuladas as regras do tempo de contratação para cada jogador que possui prazo mínimo de três meses e máximo de cinco anos, sendo que os atletas só podem atuar se vinculados a clubes esportivos, conforme os dispositivos indicados abaixo:

Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: 

(…)

Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos.

Além disso, outro ponto importante para se observar é a jornada de trabalho dos jogadores. Conforme art. 28, VI, o tempo máximo de serviço prestado dos jogadores é de 44 horas semanais. 

No entanto, o período de descanso entre as partidas oficiais dos torneios não foi disciplinado pela legislação. Para conformar a omissão legislativa, aproveita-se o que regulamento da CBF, em que se especifica a necessidade de haver entre partidas oficiais o descanso mínimo de 66 horas.  

A partir de qual idade os jogadores podem assinar os contratos com os clubes? 

Conforme art. 29 da Lei nº 9.615/98, no Brasil o atleta só se profissionaliza a partir de 16 anos, mediante anuência dos pais ou representantes legais do adolescente no instrumento contratual, necessidade que não subsiste em caso de emancipação de que trata o art. 5º, parágrafo único do Código Civil. 

É bom destacar que a lei ainda reserva à entidade de prática desportiva formadora do atleta o direito de preferência para com ele assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, a fim de incentivar o investimento e tornar o mercado mais competitivo. 

Como é regulado o Descanso Semanal Remunerado (DSR)?

Para o atleta profissional existe uma peculiaridade em relação ao DSR que não precisa ocorrer preferencialmente aos domingos, como ocorre no caso dos demais empregados abrangidos pela CLT. Conforme o artigo 28, parágrafo 4º, inciso IV, da Lei Pelé, o repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas deverá ocorrer, preferencialmente, em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana. 

Como funciona o período de férias dos jogadores?

Os jogadores têm direito ao gozo de 30 dias conforme art. 28, V, da Lei nº 9.615/98, acrescidas do abono de férias. Convém observar, contudo, que devem coincidir com o recesso das atividades desportivas.

Direito de imagem x direito de arena

De acordo com o art. 87-A da Lei Pelé, é possível a cessão e a exploração do direito ao uso da imagem do atleta, desde que haja ajuste contratual de natureza civil, observando a fixação de direitos, deveres e condições que não se confundem com o contrato especial de trabalho desportivo. Logo, é importante mencionar que essa verba não possui natureza salarial e não pode ser inserida nos salários dos jogadores. Assim, toda a verba adquirida por meio de direito de imagem é verba distinta da salarial.

Caso haja, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, que será composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

O direito de arena, por sua vez, versa sobre o pagamento de verba relativa à parte da cota de televisão paga aos clubes pela transmissão dos jogos. Nesse sentido, todos os atletas profissionais que participaram da partida devem receber a correspondente parcela que lhes cabe, relativa ao direito de arena, cumulativamente com o respectivo salário e a contraprestação pela exploração dos direitos de imagem do jogador direito de imagem.

Empréstimo de atletas

Outra peculiaridade do contrato especial de trabalho desportivo é que se permite o empréstimo temporário de jogadores entre clubes, conforme inteligência do art. 38 da Lei nº 9.615/98. Mas, é importante observar que, qualquer cessão ou transferência de atleta profissional ou não-profissional dependerá de sua formalização e expressa anuência.    

O diploma legislativo ainda condiciona a transferência do atleta profissional para o exterior a uma obrigatória previsão nos contratos de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva brasileira que o contratou.  

Sobre o tema, em caso de inadimplência de dois meses, isto é, caso o atleta não receba salário e contribuições previstas em lei por parte da entidade de prática desportiva cessionária, a mora implicará a rescisão do contrato de empréstimo e a incidência da cláusula compensatória desportiva nele prevista, que deverá ser paga ao atleta pela entidade de prática desportiva cessionária. 

Finalização do contrato

Após a finalização do período de contrato de trabalho, o jogador automaticamente fica disponível para realizar contratação com novos clubes ou realizar a sua renovação. Outra situação importante a ser mencionada é a possibilidade de rescisão devido ao atraso de, pelo menos, três salários vencidos, seja total ou parcialmente.